sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo
Pensamentos e Sonhos sobre o Brasil

1. O povo brasileiro se habituou a “enfrentar a vida” e a conseguir tudo “na luta”, quer dizer, superando dificuldades e com muito trabalho. Por que não iria “enfrentar” também o derradeiro desafio de fazer as mudanças necessárias, para criar relações mais igualitárias e acabar com a corrupção?

2. O povo brasileiro ainda não acabou de nascer. O que herdamos foi a Empresa-Brasil com uma elite escravagista e uma massa de destituídos. Mas do seio desta massa, nasceram lideranças e movimentos sociais com consciência e organização. Seu sonho? Reinventar o Brasil. O processo começou a partir de baixo e não há mais como detê-lo.

3. Apesar da pobreza e da marginalização, os pobres sabiamente inventaram caminhos de sobrevivência. Para superar esta anti-realidade, o Estado e os políticos precisam escutar e valorizar o que o povo já sabe e inventou. Só então teremos superado a divisão elites-povo e seremos uma nação una e complexa.

4. O brasileiro tem um compromisso com a esperança. É a última que morre. Por isso, tem a certeza de que Deus escreve direito por linhas tortas. A esperança é o segredo de seu otimismo, que lhe permite relativizar os dramas, dançar seu carnaval, torcer por seu time de futebol e manter acesa a utopia de que a vida é bela e que amanhã pode ser melhor.

5. O medo é inerente à vida porque “viver é perigoso” e sempre comporta riscos. Estes nos obrigam a mudar e reforçam a esperança. O que o povo mais quer, não as elites, é mudar para que a felicidade e o amor não sejam tão difíceis.

6. O oposto ao medo não é a coragem. É a fé de que as coisas podem ser diferentes e que, organizados, podemos avançar. O Brasil mostrou que não é apenas bom no carnaval e no futebol. Mas também bom na agricultura, na arquitetura, na música e na sua inesgotável alegria de viver.

7. O povo brasileiro é religioso e místico. Mais que pensar em Deus, ele sente Deus em seu cotidiano que se revela nas expressões: “graças a Deus”, “Deus lhe pague”, “fique com Deus”. Deus para ele não é um problema, mas a solução de seus problemas. Sente-se amparado por santos e santas e por bons espíritos e orixás que ancoram sua vida no meio do sofrimento.

8. Uma das características da cultura brasileira é a alegria e o sentido de humor, que ajudam aliviar as contradições sociais. Essa alegria nasce da convicção de que a vida vale mais do que qualquer coisa. Por isso deve ser celebrada com festa e diante do fracasso, manter o humor. O efeito é a leveza e o entusiasmo que tantos admiram em nós.

9. Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular. O saber popular nasce da experiência sofrida, dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos. O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes. Quando esses dois saberes se unirem, seremos invencíveis.

10. O cuidado pertence à essência de toda a vida. Sem o cuidado ela adoece e morre. Com cuidado, é protegida e dura mais. O desafio hoje é entender a política como cuidado do Brasil, de sua gente, da natureza, da educação, da saúde, da justiça. Esse cuidado é a prova de que amamos o nosso pais.

11.Uma das marcas do povo brasileiro é sua capacidade de se relacionar com todo mundo, de somar, juntar, sincretizar e sintetizar. Por isso, ele não é intolerante nem dogmático. Gosta e acolhe bem os estrangeiros. Ora, esses valores são fundamentais para uma globalização de rosto humano. Estamos mostrando que ela é possível e a estamos construindo.

12. O Brasil é a maior nação neolatina do mundo. Temos tudo para sermos também a maior civilização dos trópicos, não imperial, mas solidária com todas as nações, porque incorporou em si representantes de 60 povos que para aqui vieram. Nosso desafio é mostrar que o Brasil pode ser, de fato, um pedaço do paraíso que não se perdeu.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra
vez com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...

Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.

Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.

Para você neste novo ano,
Desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
Que sua família esteja mais unida,
Que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente...
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada
minuto, ao rumo da sua FELICIDADE!"

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

BIG BROTHER BRASIL UM PROGRAMA IMBECIL.

Autor:
Antonio Barreto, Cordelista natural de Santa Bárbara-BA, residente em Salvador-BA

Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.

Há muito tempo não vejo
Um programa tão 'fuleiro'
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.

Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, 'zé-ninguém'
Um escravo da ilusão.

Em frente à televisão
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme 'armadilha'.

Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.

O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.

Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.

Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação.

Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Da muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.

Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social

Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério - não banal.

Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.

A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os "heróis" protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.

Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.

Talvez haja objetivo
"professor", Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.

Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.

É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos "belos" na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.

Se a intenção da Globo
É de nos "emburrecer"
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.

A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.

E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.

E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.

E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados

Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.

A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.

Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.

Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?

Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal.
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O olhar de Verissimo sobre o BBB

Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço. A nova edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega a ser difícil encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.

Dizem que Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo, principalmente pela banalização do sexo. O BBB é a pura e suprema banalização do sexo.



Luis Fernando Veríssimo
É cronista e escritor brasileiro

Impossível assistir ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros...todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB é a realidade em busca do IBOPE.

Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB . Ele prometeu um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.


Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.

Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis? Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores) , carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e quase sempre são mal remunerados.

Heróis são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir, e conseguem sobreviver a isso todo dia.

Heróis são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna. Heróis são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, Ongs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína Zilda Arns).

Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo.

O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!!

Veja o que está por de tra$$$$$$$$$ $$$$$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.

Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores)

Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores. Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ir ao cinema...., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins... , telefonar para um amigo... , ·visitar os avós... , pescar..., brincar com as crianças... , namorar... ou simplesmente dormir. Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construído nossa sociedade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Se Eu Puder Voar

Composição: Flávia Wenceslau

Todas as estrelas te traria
Se coubessem em minha mão
Todo sonho nasceria
Das sementes pelo chão
Paz nenhuma faltaria
Nos recantos onde
Vez em quando aperta o coração
Eu andei pedindo a luz da Lua
Pra que fique em tua rua
E que traga pelo vento
Teu mais nobre pensamento
Garoando alegria
Garimpando poesia
Em cada nuvem que passar
E se eu puder voar
Vou nas asas da saudade te encontrar
Pra ser livre de verdade ao te abraçar
Repensar coisas da vida em frente ao mar
E se eu puder voar
Te trarei o arco-íris numa flor
Ao silêncio que espera o Sol se pôr
Pedirei que ilumine a janela do meu amor

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=la9nzK_l5L4

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

“O REINO DE DEUS VOS SERÁ TIRADO...”



(Mt 21,43)



Olá amigos! Nas últimas semanas, temos escutado os discursos de Jesus a respeito da fundação do novo Israel, a Igreja. No 25º Domingo ele nos falou dos trabalhadores da vinha – os da primeira e da última hora: em sua Igreja, que deve ser germe do Reino, todos são convidados ao trabalho. Semana passada, o Senhor exortou os Anciãos e Sumos-Sacerdotes a respeito de sua pretensão em serem os donos da Lei, e corajosamente anunciou que os publicanos e as prostitutas disseram ‘sim’ por primeiro e entraram no Reino dos Céus: por isso, a Igreja é lugar para pessoas pecadoras, que confiam primeiramente na graça de Deus. Hoje, Jesus proclama que os Sumos-Sacerdotes e Anciãos do Povo roubaram o lugar de Deus no cuidado de sua Vinha.



Qual atitude deve assumir aquele que foi chamado ao cuidado da Vinha do Senhor, isto é a Igreja? Aqueles que têm cargos de liderança, como devem agir? Hoje, nosso Papo de Domingo trata deste assunto! Que o Senhor nos ajude e nos alimente com sua Palavra a fim de que sejamos dóceis a seus ensinamentos!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Elogio do boteco

Em razão do meu “ciganismo intelectual” falando em muitos lugares e ambientes sobre um sem número de temas que vão da espiritualidade, à responsabilidade socioambiental e até sobre a possibilidade do fim de nossa espécie, os organizadores, por deferência, costumam me convidar para um bom restaurante da cidade. Lógico, guardo a boa tradição franciscana e celebro os pratos com comentários laudatórios. Mas me sobra sempre pequeno amargor na boca, impedindo que o comer seja uma celebração. Lembro que a maioria das pessoas amigas não podem desfrutar destas comidas e especialmente os milhões e milhões de famintos do mundo. Parece-me que lhes estou roubando a comida da boca. Como celebrar a generosidade dos amigos e da Mãe Terra, se, nas palavras de Gandhi,”a fome é um insulto e a forma de violência mais assassina que existe?”

É neste contexto que me vem à mente como consolo os botecos. Gosto de freqüentá-los, pois aí posso comer sem má consciência. Eles se encontram em todo mundo, também nas comunidades pobres nas quais, por anos, trabalhei. Ai se vive uma real democracia: o boteco ou o pé sujo (o boteco de pessoas com menos poder aquisitivo) acolhe todo mundo. Pode-se encontrar lá tomando seu chope um professor universitário ao lado de um peão da construção civil, um ator de teatro na mesa com um malandro, até com um bêbado tomando seu traguinho. É só chegar, ir sentando e logo gritar: “me traga um chope estupidamente gelado”.

O boteco é mais que seu visual, com azulejos de cores fortes, com o santo protetor na parede, geralmente um Santo Antônio com o Menino Jesus, o símbolo do time de estimação e as propagandas coloridas de bebidas. O boteco é um estado de espírito, o lugar do encontro com os amigos e os vizinhos, da conversa fiada, da discussão sobre o último jogo de futebol, dos comentários da novela preferida, da crítica aos políticos e dos palavrões bem merecidos contra os corruptos. Todos logo se enturmam num espírito comunitário em estado nascente. Aqui ninguém é rico ou pobre. É simplesmente gente que se expressa como gente, usando a gíria popular. Há muito humor, piadas e bravatas. Às vezes, como em Minas, se improvisa até uma cantoria que alguém acompanha ao violão.

Ninguém repara nas condições gerais do balcão ou das mesinhas. O importante é que o copo esteja bem lavado e sem gordura senão estraga o colarinho cremoso do chope que deve ter uns três dedos. Ninguém se incomoda com o chão e o estado do banheiro.

Os nomes dos botecos são os mais diversos, dependendo da região do pais. Pode ser a Adega da Velha, o Bar do Sacha, o boteco do Seo Gomes, o Bar do Giba, o Botequim do Jóia, o Pavão Azul, a Confraria do Bode Cheiroso, a Casa Cheia e outros. Belo Horizonte é a cidade que mais botecos possui, realizando até, cada ano, um concurso da melhor comida de boteco.

Os pratos também são variados, geralmente, elaborados a partir de receitas caseiras e regionais: a carne de sol do Nordeste, a carne de porco e o tutu de Minas. Os nomes são ingeniosos:” mexidoido chapado”, “porconóbis de sabugosa”, “costela de Adão” (costelinha de porco com mandioca), “torresminho de barriga”. Há um prato que aprecio sobremaneira, oferecido no Mercado Central de Belo Horizonte e que foi premiado num dos concursos:”bife de fígado acebolado com jiló”. Se depender de mim, este prato deverá constar no menu do banquete do Reino dos céus que o Pai celeste vai oferecer aos benaventurados.

Se bem repararmos, o boteco desempenha uma função cidadã: dá aos freqüentadores especialmente aos mais assíduos, o sentimento de pertença à cidade ou ao bairro. Não havendo outros lugares de entretenimento e de lazer, permite que as pessoas se encontrem, esqueçam seu status social e vivam uma igualdade, geralmente, negada no cotidiano.

Para mim o boteco é uma metáfora da comensalidade sonhada por Jesus, lugar onde todos podem sentar à mesa e celebrar o convívio fraterno e fazer do comer, uma comunhão. E para mim, é o lugar onde posso comer sem má consciência.

Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Catolicismo evangélico


Definindo o catolicismo evangélico
"Catolicismo evangélico" é um termo que está sendo usado para capturar a versão católica de uma política da identidade do século XXI, refletindo a transição histórica de longo prazo no Ocidente do cristianismo como uma maioria formadora de cultura ao cristianismo como subcultura, mesmo que grande e influente. Eu defino o catolicismo evangélico em termos de três pilares:

* Uma forte defesa da identidade católica tradicional, ou seja, o apego aos marcadores clássicos do pensamento católico (ortodoxia doutrinária) e da prática católica (tradição litúrgica, vida devocional e autoridade).
* Robusta proclamação pública do ensino católico, com ênfase na missão “ad extra” do catolicismo, transformando a cultura à luz do Evangelho, ao invés de “ad intra”, na reforma interna da Igreja.
* A fé vista como uma questão de escolha pessoal, em vez de herança cultural, o que, entre outras coisas, implica que, em uma cultura altamente secular, a identidade católica nunca pode ser dada por óbvia. Ela sempre tem que ser provada, defendida e manifestada.

Eu uso conscientemente o termo "evangélico" para capturar tudo isso em vez de "conservador", embora reconhecendo que muitas pessoas experimentam o que eu acabei de esboçar como um impulso conservador. Fundamentalmente, no entanto, tem a ver com outra coisa: com a fome de identidade em um mundo fragmentado.

Historicamente, o catolicismo evangélico não é realmente "conservador", porque restou muito pouco do catolicismo cultural nos dias de hoje a ser conservado. Pela mesma razão, ele não é tradicionalista, embora ponha um galardão sobre a tradição. Se os liberais querem dialogar com a pós-modernidade, os evangélicos querem convertê-la – mas nenhum dos dois busca um retorno a um status quo ante. Muitos católicos evangélicos realmente dão as boas-vindas à secularização, porque ela força a religião a ser uma escolha consciente, ao invés de ser uma herança passiva. Como disse o falecido cardeal Jean-Marie Lustiger, de Paris, na definição de dicionário de um católico evangélico, "nós realmente estamos no alvorecer do cristianismo".

Paradoxalmente, essa ânsia de lançar o catolicismo ortodoxo como o prato principal mais satisfatório do bufê espiritual pós-moderno, usando as ferramentas e as táticas de uma aldeia global saturada midiaticamente, torna o catolicismo evangélicos tradicional e contemporâneo ao mesmo tempo.

Evangélico de baixo para cima
O "catolicismo evangélico" tem sido a força dominante no nível da definição de políticas da Igreja Católica desde a eleição do Papa João Paulo II em 1978. Se você quiser entender o oficialismo católico hoje – por que as decisões estão sendo tomadas da forma em que estão sendo tomadas no Vaticano, ou na Conferência dos Bispos dos EUA, ou em um número cada vez maior de dioceses –, essa é facilmente a tendência mais importante que envolve a sua mente.

No entanto, você vai entender o catolicismo evangélico muito equivocadamente se você pensar nele exclusivamente como um movimento de cima para baixo. Há também um forte componente de baixo para cima, que é mais palpável entre um determinado segmento da população católica mais jovem católico.

Não estamos falando sobre a grande massa de católicos de 20 ou pouco mais de 30 anos, que estão por todas as partes do mapa em termos de crenças e valores. Ao contrário, estamos falando sobre aquele núcleo interno de jovens católicos ativamente praticante, que mais provavelmente irão discernir uma vocação à vida sacerdotal ou religiosa, mais provavelmente irão se matricular em cursos de graduação de teologia, e mais provavelmente irão seguir uma carreira na Igreja como leigos – ministros da juventude, coordenadores da vida paroquial, ministros litúrgicos, autoridades diocesanas, e assim por diante. Nesse subsegmento da população católica mais jovem de hoje, há uma energia evangélica tão espessa que você pode cortá-la com uma faca.

É desnecessário dizer que os grupos que eu acabei de descrever constituem a futura liderança da Igreja.

Uma vez, a ideia de que a geração mais jovem de católicos intensamente comprometidos era mais "conservadora" pertencia ao campo das impressões anedóticas. Agora, essa é uma certeza empírica folheada a ferro.

Caso em questão: um estudo de 2009 realizado pelo Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado da Georgetown University e patrocinado pela Conferência Nacional das Vocações Religiosas dos EUA, encontrou um forte contraste entre os novos membros das ordens religiosas nos EUA de hoje (a geração anos 2000) e a velha guarda. Em geral, religiosos mais jovens, tanto homens quanto mulheres, são mais propensos a primar pela fidelidade à Igreja e escolher uma ordem religiosa com base na sua reputação de fidelidade. Estão mais interessados em usar o hábito e em modos tradicionais de expressão espiritual e litúrgica. E estão muito mais positivamente inclinados à autoridad

Para perceber por onde os ventos estão soprando, consideremos as ordens femininas. O estudo constatou que entre aquelas que pertencem à Leadership Conference of Women Religious, considerado o grupo mais "liberal", apenas 1% têm pelo menos dez novos membros. Entre aquelas que pertencem ao Council of Major Superiors of Women Religious, visto como o grupo mais "conservador", robustos 28% têm pelo menos dez novos membros.

Em grande parte, é um erro diagnosticar essa tendência em termos ideológicos, como se tivesse a ver com a política de esquerda ou de direita. Para os católicos mais jovens de hoje, é mais uma questão de experiência geracional. Eles não cresceram em uma Igreja sufocante e totalmente controladora, e por isso não se rebelam contra ela. Em vez disso, estão se rebelando contra um mundo secular sem raízes, tornando-os ávidos por abraçar marcadores de identidade e fontes de significado claros.

Entre os jovens, o catolicismo evangélico usualmente se torna ideológico somente se a geração mais velha coloca-os contra a parede, exigindo-lhes que escolhem um lado nas batalhas internas da Igreja. Essa tendência, infelizmente, parece igualmente pronunciada na esquerda e na direita.

Catolicismo evangélico e a JMJ
Sem dúvida, nem todos os jovens reunidos em Madri nesta semana são evangélicos. Eu já cobri cinco JMJs, e a minha observação é de que é possível identificar três grupos em geral: um núcleo central fanático; uma parte mais morna, que não pensa tanto sobre religião, mas que ainda vai à missa e vê a fé como algo positivo; e aqueles que estão apenas por causa da viagem, talvez porque seus pais pagariam a ida à JMJ, mas não para as férias no Cabo (geralmente, estes são as crianças que jogam bola e tomam sorvete durante os encontros de catequese).

Pastoralmente, eu sempre pensei que o objetivo era levar alguns jovens desse segundo grupo para o primeiro, e do terceiro grupo para o segundo.

Dito isso, os evangélicos claramente definem o tom. A JMJ talvez seja o único evento internacional em que ser fiel e energicamente católico significa a escolha do estilo de vida "da moda". Para ser claro, essa paixão não é artificialmente fabricada por ideólogos partidários e impingida sobre jovens impressionáveis, como os comícios de Nüremberg ou as brigadas da Guarda Vermelha de Mao: é algo que esses jovens crentes já sentem, e a JMJ simplesmente providencia uma vazão.

Nesse sentido, a JMJ é o principal lembrete de uma verdade fundamental sobre o catolicismo no início do século XXI. Dado o duplo golpe do catolicismo evangélico tanto como a ideia fixa da classe dirigente da Igreja, quanto a força motriz entre o núcleo interno dos fiéis mais jovens, ele está destinado a moldar a cultura da Igreja (especialmente no norte global, ou seja, na Europa e nos EUA) para o futuro previsível. Pode-se discutir seus méritos, mas não o seu poder de permanência.

No mundo real, a disputa pelo futuro católico não é, portanto, entre os evangélicos e algum outro grupo – digamos, os reformistas liberais. Ela está dentro do movimento evangélico, entre uma ala aberta e otimista comprometida com a "ortodoxia afirmativa", isto é, enfatizando o que a Igreja afirma, em vez do que ela condena, e um grupo mais defensivo, comprometido com a promoção da guerra cultural.

Será interessante acompanhar como essa tensão irá se dar entre a safra de líderes da Igreja de hoje. Mas talvez ainda mais decisivo será ver qual instinto irá prevalecer entre as centenas de milhares de jovens católicos na Espanha nesta semana e qual geração evangélica eles representam.

Pastoral da Juventude